A situação do varejo no Rio Grande do Sul ganha nova perspectiva com a ampliação da vacinação e melhora nos indicadores da pandemia. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o volume de vendas do comércio varejista no Estado cresceu 4,6% em maio sobre abril, e 14,6% na comparação ao mesmo mês do ano passado. Após amargar índices negativos desde março de 2020 no acumulado dos 12 meses anteriores, o indicador finalmente registrou alta de 0,9% no acumulado de um ano até maio.
“O consumo está voltando, mas parte dos números revelados pela PMC (Pesquisa Mensal do Comércio) não é aumento de consumo, é transferência de vendas”, explica Patrícia Palermo, economista-chefe da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo RS (Fecomércio), destacando que a pesquisa do IBGE considera empresas com pelo menos 20 funcionários, deixando o pequeno varejo ao largo de análise. Segundo a economista, a situação está melhor, mas é difícil avaliar o quão positivo é o cenário, até pela forma heterogênea que a pandemia se abateu nos diversos segmentos do varejo. “Houve uma diferença de impacto, seja pela atividade, porte ou localização geográfica”, destaca Patrícia.
Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA), também chama a atenção para o impacto divergente entre os setores, situação que demonstra a singularidade da pandemia em relação a outras crises que o País já atravessou. Enquanto algumas atividades tiveram crescimento significativos, se beneficiando com a realocação de gastos das famílias, outros reduziram vendas ou até fecharam.
Em relação ao porte das empresas, a crise foi mais aguda para os pequenos negócios, o que deve ampliar a concentração do comércio em médias e grandes redes. As dificuldades dos empreendimentos vinculados ao Simples têm efeito multiplicado nas unidades familiares. Segundo a economista-chefe da Fecomércio, estas empresas geram ocupação e renda, movimentando a vida local e desempenhando papel fundamental para a dinâmica das cidades, ao ofertar produtos e serviços do cotidiano para a vizinhança. “As vendas estão ocorrendo, mas de forma concentrada”, observa Patrícia.
Teremos novas lojas, enquanto umas fecham as portas? “Claro que sim, mas o risco é que muitas vão abrir por necessidade e não por oportunidade. São empresas que surgem no desespero, com o proprietário sem entendimento necessário do mercado, do negócio e da dinâmica de vendas ou ainda sem ter capacidade de gestão”, explica a economista-chefe da Fecomércio.
O retrato que se tem hoje foi previsto pelo especialista em varejo e consultor Xavier Fritsch há pouco mais de um ano. A aposta de que teríamos muitos ‘desempresários’ se confirmou: os motivos vão da descapitalização, restrição de abertura, falta de estrutura, desorganização e até cansaço. Entre as marcas que encerraram atividades, estão Tok e Carmen Flores. Outras encolheram o número de filiais, a exemplo da Rosa Paulina.
Assim como a pandemia não afetou a todos os setores do mesmo jeito, dentro do mesmo segmento os resultados também divergiram. “As dificuldades se abateram até sobre grandes grupos. Os mais preparados, que já atuavam no online, se saíram melhores do que outros”, observa Marcos Luppe, coordenador do MBA Varejo e Mercado de Consumo e do Centro de Estudos e Pesquisas do Varejo, ambos da Universidade de São Paulo (USP). Entre nomes conhecidos dos consumidores que entraram com pedido de recuperação judicial, o professor cita Le Postiche, TNG, Luigi Bertolli, Cavalera, Camisaria Colombo e Ricardo Eletro.
A normalização gradual das atividades, que voltou a ocorrer após novo tombo em março, vem ajudando a devolver parte das perdas dos setores mais impactados pela crise sanitária, de bens não essenciais: vestuário, calçados e acessórios.
“Foram compras que, no momento mais agudo da crise, o consumidor conseguiu cortar sem prejuízo de bem-estar. Agora, a demanda reprimida e o frio levaram estes segmentos a iniciarem recuperação”, descreve Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA).
E a tendência é de que estes setores mais prejudicados pela pandemia liderem o crescimento do segundo semestre: veículos, materiais de escritório, comunicação, vestuário e calçados.
No consumo, ao mesmo tempo em que parte da população ficou sem emprego, outra manteve renda, abrindo espaço para gastar com bens e serviços que não faziam parte do orçamento mensal da família. “Quem deixou de viajar ou sair para comer, investiu em material de construção, móveis e eletrodomésticos, por exemplo. As pessoas permaneceram mais tempo nos lares e identificaram problemas, assim como passaram a cozinhar e a buscar mais conforto em suas casas”, detalha Frank.
*Fonte: Jornal do Comércio – Caderno Especial | Edição Impressa em 16/07/21