Um segundo round na disputa do varejo com o mundo das apostas digitais, as bets, vem por aí, e as entidades varejistas gaúchas se mobilizam para que o segmento concorrente tenha regras e não se configure em ameaça crescente, sugando dinheiro que poderia desaguar no consumo.
Esta é a principal tese que pauta a defesa de regras mais duras ou que sigam tratamento que empresas em geral estão sujeitas. O novo campo de confronto será no Supremo Tribunal Federal (STF), que marcou audiência pública para 11 de novembro sobre o assunto.
O foco: ouvir todos os lados para subsidiar a apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7721, movida pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em fim de setembro, contra a chamada Lei das Bets, a Lei 14.790, de 2023. A ação foi distribuída ao ministro Luiz Fux. Entre as solicitações, a CNC pede que o STF suspenda, de forma imediata, a eficácia da lei. No mérito da questão, a entidade nacional solicita que o texto seja declarado integralmente inconstitucional.
A CNC aponta impactos da edição da lei que regulamenta as apostas esportivas on-line. Para o setor de comércio e serviços, a lei de 2023 acabou colaborando para elevar a busca das apostas e o nível de endividamento das famílias. Para a confederação, as medidas do governo, como o registro das empresas, maioria estrangeiras, e a restrição de uso de recursos do Bolsa Família na jogatina on-line não foram suficientes para aliviar as preocupações.
“Estamos trabalhando na participação na audiência pública em Brasília. Vamos levar nossas reivindicações”, avisa o presidente do Conselho Deliberativo da CDL POA e da Federação AGV, Vilson Noer. O dirigente aposta em três pilares no movimento para enquadrar as bets.
“São três temas que nós consideramos fundamentais para que possa haver uma competição igual. Defendemos a liberdade econômica e o livre mercado, mas precisamos ter regra, ter regulamento, com qualquer atividade econômica do País”, adverte Noer: “Elas (bets), por enquanto, estão livres e soltas”.
Noer lembra que o assunto surgiu na mesa do segmento em meio à missão da comitiva gaúcha à NRF Retail’s Big Show, em Nova York, em janeiro, que teve cobertura da coluna Minuto Varejo. “Pouco se falava sobre o assunto e lá vimos que o impacto seria grande pelo crescimento das apostas e valores. De lá para cá, a gente sente cada vez mais as consequências sérias na questão econômica e social”, associa ele.
Uma das constatações que embasam a cobrança de regras e monitoramento mais rígido é que recursos que poderiam estar movimentando compras estão indo cada vez mais e de forma desenfreada para os jogos. Uma das frentes de apostas são os resultados de campeonatos de futebol. Mas os apelos em aplicativos nos smartphones são muito persuasivos, disseminando-se em diferentes anúncios para seduzir e vender a ideia de ganhos fáceis.
Além disso, para poder disputar prêmios, os apostadores estão gastando mais ou buscando até financiamento para bancar a corrida pela sorte. Para o varejo, esse engajamento dos consumidores vira azar para empreendedores que dependem da economia real.
O presidente da Fecomércio-RS, um dos braços regionais da CNC, Luiz Carlos Bohn, reforça que as bets são uma “ameaça muito forte ao varejo e às contas das famílias”. “As pessoas acham que uma riscadinha não é nada, mas o montante que isso envolve, sim”, alerta Bohn.
Para o dirigente da entidade que reúne a representação patronal, o governo acabou demorando a agir. “Teve de sair correndo atrás, pois não achou que era tanto, mas os dados de gastos com Bolsa Família, ligaram o alerta”, aponta Bohn, citando ainda que é preciso separar os segmentos.
“A CNC é favorável a jogos que contribuam para o turismo, mas as bets são nocivas. Não sabemos onde estão as empresas e ainda tiram dinheiro do consumo. É recurso que está faltando nas lojas e nos supermercados”, contrapõe o dirigente da Fecomércio-RS.
Propostas das entidades gaúchas para o setor de apostas:
– Criar um imposto sobre os jogos, semelhante ao existente para cigarros e bebidas alcoólicas
– Licenciar plataformas on-line com regras
– Proteção aos consumidores, que devem ser informados dos riscos das apostas, além de limitar valor, tempo e excluir dependentes
– Campanhas educativas para promover a conscientização e também levar às escolas o assunto, esclarecendo sobre vícios e males das bets
– Intensificar e ser mais eficaz na fiscalização
Fonte: Federação AGV
Impactos dos jogos em excesso vão além do bolso
Os impactos das bets vão além do bolso, o que virou um item a mais no alerta e também abordagem que as entidades varejistas têm feito. A dependência das pessoas às apostas, que é alimentada por gastos fora do orçamento e dificuldades emocionais de colocar os limites, aparece em pesquisas que mapeiam a dimensão que as bets vêm ocupando na vida dos brasileiros. O tema também foi pautado por uma união de esforços entre CDL POA, Federação AGV e Federasul, em um dos eventos mais tradicionais do comércio, o Tá na Mesa.
O psiquiatria e especialista em dependência química, Carlos Salgado, um dos autores do livro Dependências comportamentais – vivendo em excesso, comparou a relação com a jogatina on-line ao uso de drogas.
“Pessoas suscetíveis experimentam, descobrem uma gratificação ou prazer peculiar e repetem”, descreve Salgado. “As consequências do jogo ocorrem quando o sujeito é um “capitão” da família e incisivo no jogo e leva a estrutura familiar à bancarrota em função das apostas eletrônicas”, ressalta o psiquiatra.
Salgado também preveniu que há outro efeito, como a sobrecarga do sistema público de saúde, devido à demanda gerada pela dependência. “Jogar é uma questão de saúde com implicações para aquela parcela de jogadores que vão envolver questões financeiras”, destaca.
O presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa, apontou que é preciso proteger a renda das famílias e a qualidade de vida das pessoas. “O vício em jogos tem sido um problema crescente no Brasil. É fundamental impor limites para que essa questão não se torne um problema de saúde pública”, reforçou Costa.
Vilson Noer, da CDL Porto Alegre e presidente a AGV Federação, ressaltou que o tema tem de ser abordado nas duas frentes. A econômica já está mais disseminada, mas as consequências sociais e comportamentais merecem cuidado. “Preocupam essas duas consequências que derivam das apostas. Por isso o controle e as regras precisam ser bem claras, na direção de uma regulamentação mais severa”, completa o dirigente.
Efeitos sociais e mentais para brasileiros que apostam
– 66% já sentiram que estavam apostando mais do que deveriam;
– 67% conhecem pessoas que estão viciadas em apostas esportivas;
– 65% já se sentiram ansiosos em excesso por conta das apostas esportivas;
– 30% já tiveram prejuízos nas relações pessoais por conta do vício;
– 65% já se sentiram ansiosos em excesso devido às apostas (relatos é mais frequente entre mulheres, jovens de 18 a 29 anos, classes mais baixas e apostadores com maior frequência);
– 42% sentem que as apostas são uma forma de escapar de problemas ou emoções negativas.
Fonte: Locomotiva e Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV)
Desafios na “epidemia:” de apostas esportivas no Brasil
– Apostas dominam a publicidade nacional na mídia e nas redes sociais, chegando a jovens e crianças;
– 80% dos brasileiros acreditam que há excesso de propaganda de apostas;
– Limitar a influência das propagandas e dos anúncios de aplicativos e sites de apostas;
– 68% das pessoas que fazem os jogos aponta influência dos anúncios nos canais digitais.
Ações contra o risco de endividamento:
– Criar alertas e instrumentos de contenção financeira para evitar o endividamento;
– Campanhas de conscientização que alcancem grupos que são mais afetados;
– Regras que impeçam o uso de cartões de crédito, de empréstimos ou outra forma de financiamento para bancar as apostas;
– Limitar o número de apostas por pessoa.
Combater o vício e os comportamentos destrutivos:
– Tratar o vício como uma questão de saúde pública, como tabagismo e alcoolismo;
– Fazer alertas claros na mídia e nas plataformas de apostas sobre os riscos de dependência;
– Fomentar campanhas que abordem os impactos negativos do vício nas relações interpessoais (perda de confiança, isolamento social e problemas familiares) e promovam diálogo e ambientes seguros.
Fonte: Locomotiva e Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV)
FONTE: Jornal do Comércio – Edição Impressa em 28/10/24