O Ministério da Fazenda e do Planejamento apresentaram a regra que substituirá o chamado “Teto de Gastos” para disciplinar as finanças da União. Nossa intenção com o presente documento é realizar um julgamento preliminar do conteúdo, pois: (1) não foi divulgado o texto oficial do Projeto de Lei Complementar; e (2) as premissas são passíveis de alteração pelo Congresso Nacional.
De que forma o mecanismo opera?
O instrumento estipula metas para os resultados primários – saldo entre receitas e despesas, excluindo o pagamento de juros da dívida – até o ano de 2026. Além disso, existe uma tolerância de 0,25 ponto percentual para mais ou para menos.
• 2023: -0,50% do PIB (limite inferior de -0,75% do PIB e limite superior de -0,25% do PIB);
• 2024: 0,00% do PIB (limite inferior de -0,25% do PIB e limite superior de +0,25% do PIB);
• 2025: +0,50% do PIB (limite inferior de +0,25% do PIB e limite superior de +0,75% do PIB);
• 2026: +1,00% do PIB (limite inferior de +0,75% do PIB e limite superior de +1,25% do PIB).
O ponto de partida envolve a imposição de um controle para os dispêndios anuais de até 70% das receitas acumuladas em 12 meses até julho. Caso o resultado primário ultrapasse o teto estabelecido, o excedente será direcionado para investimentos. Todavia, se ficar aquém da banda inferior, haverá uma “punição”: no ano seguinte, o limite para o acréscimo do dispêndio será de 50% da receita, conservando-se nesse patamar até que o primário retorne para dentro da banda.
Observação 1: ainda que a receita registre variação real zero ou negativa, a despesa crescerá, no mínimo, 0,6%. Por sua vez, o aumento máximo do gasto é de 2,5%. Ou seja, mesmo que a receita extrapole 3,6% acima da inflação, a despesa avançará 2,5%.
Observação 2: as pastas da saúde e educação sofrerão incremento de 100% da arrecadação, por força das vinculações determinadas pela Constituição. Portanto, a compensação virá de outras rubricas.
Análise crítica da Assessoria Econômica da CDL Porto Alegre:
1. Ausência de simplicidade: princípio da clareza é fundamental para que a sociedade (contribuintes, congressistas e poder judiciário) discuta os impactos da legislação.
2. Perfil parcialmente anticíclico: uma das prerrogativas do Setor Público é a suavização dos ciclos de alta e de baixa da economia. Em janelas recessivas, justifica-se uma atuação expansionista do governo, algo contemplado pelo desenho proposto. No entanto, em intervalos marcados pela aceleração do nível de atividade, que propiciam maior arrecadação, o gasto também subirá, o que tende a fomentar os preços de modo indesejável;
3. Formuladores de políticas irresponsáveis terão incentivos para focar sempre no limite inferior da banda para o resultado primário;
4. Receitas extraordinárias poderão viabilizar despesas permanentes, o que dificulta a busca pelo equilíbrio das contas;
5. O descumprimento sistemático dos objetivos não acarreta em penalidades severas, como crime de responsabilidade;
6. Nossas projeções demonstram que a estabilização da dívida pública em relação ao PIB não ocorrerá antes de 2026, diferentemente dos cenários apontados pelo governo;
Estudos na literatura acadêmica, como ROCHA (2005), revelam que um superávit (ou até mesmo déficit) é sustentável se a razão dívida sobre o PIB mantém-se constante. É razoável calculá-lo conforme a definição:
Onde supt é o superávit sustentável, rt é a taxa real de juros (taxa de juros descontando a inflação esperada para os próximos 12 meses); gt é a taxa de crescimento da economia e bt é a razão dívida/PIB. As fontes dos dados são o Relatório FOCUS de 31/03/23 (prognósticos para IPCA, PIB e dívida bruta e Banco Central (Taxa SELIC).
Exercício 1: parâmetros de 2023
(1) Taxa real de juros de 7,8% ao ano (Taxa SELIC de 13,75% ao ano menos o IPCA previsto para os próximos 12 meses de 5,54%;
(2) PIB de +0,9%;
(3) Dívida bruta sobre o PIB (metodologia usada pelo BC) de 73,0%.
Superávit necessário para estabilizar a dívida: 5,0% do PIB, equivalente a cerca de R$ 500 bilhões;
Exercício 2: prazo mais longo (2026), com o intuito de diminuir o efeito dos choques que acometem o Brasil e o mundo no curto prazo:
→ (1) Taxa real de juros de 4,0% ao ano (estimativa do juro neutro por parte do Banco Central, de acordo com o Relatório Trimestral de Inflação de mar/23;
→ (2) PIB de +1,8%;
→ (3) Dívida bruta sobre o PIB (metodologia usada pelo BC) de 84,3%.
Superávit necessário para estabilizar a dívida: 1,8% do PIB, equivalente a cerca de R$ 180 bilhões.
Consequentemente, na melhor das hipóteses consideradas pelo governo (1,25% do PIB), o endividamento continuará em trajetória ascendente;
Conclusão:
Acreditamos que a eficácia da diretriz depende de robusta ampliação da receita, seja via ganhos de PIB ou de receitas adicionais. No primeiro caso, esbarramos em gargalos estruturais atrelados ao “Custo Brasil”. No segundo, descartamos o uso de recursos oriundos de concessões / privatizações pela questão ideológica. Logo, cremos que a variável de ajuste será através da elevação da carga tributária, oportunizando o encaminhamento das promessas de campanha do Presidente Lula com algum equilíbrio fiscal – embora incapaz de impedir que a dívida como proporção do PIB aumente.