Bate-papo com dois grandes líderes executivos do varejo gaúcho compartilha histórias e de empresas se tornaram referência em seus segmentos
Sinceridade, espontaneidade e conhecimento marcaram a edição desta terça-feira (10/09) do CDL POA Talks. Irio Piva, presidente da CDL POA e do Grupo Elevato, e Peter Furukawa, diretor-presidente das Lojas Quero-Quero e VerdeCard, conversaram diante de um público atento e qualificado. Estimulados pelas perguntas da mediadora, a jornalista Maíra Gatto, e também da plateia, eles falaram sobre inspirar e liderar rumo ao sucesso diante dos desafios – a enchente de maio, as pessoas (funcionários, consumidores, fornecedores ou parceiros) ou mesmo o equilíbrio da vida pessoal ao lado da família. “É certo que vou sair daqui 15% melhor”, descontraiu Irio, aproveitando um dado compartilhado por Peter de que trabalhar ao lado de pessoas boas e competentes faz crescer o desempenho em 15%.
Ao se manifestar na parte direcionada aos participantes, a primeira vice-presidente da CDL POA, Nilva Bellenzier, trouxe um sentimento que representava quem acompanhou o evento: “Com o Irio, eu já convivo. Mas do Peter, vi o lado mais humano. Antes, eram só números. É a pessoa que eu queria conhecer”, afirmou Nilva, ao agradecer pelas contribuições dos speakers.
O CDL POA Talks é composto por uma série de encontros com conteúdo qualificado para inspirar empreendedores associados da Rede de Entidades Parceiras e potencializar os resultados das empresas. O projeto conta com o apoio da Rede de Entidades Parceiras para ampliar o alcance e fortalecer as conexões com o interior do Estado, reforçando o compromisso da CDL POA com o crescimento econômico e o sucesso das empresas associadas.
DIANTE DA ENCHENTE DE MAIO, DE QUE FORMA O SEU PAPEL COMO LÍDER SE TRANSFORMOU NESTA JORNADA?
PETER FURUKAWA – Sou um executivo, trabalho com uma grande equipe, então, ao me deparar com um cenário instável, é mais fácil do que ser dono, como é o caso de vocês. Saí um dia antes do aeroporto fechar, voltei depois de três semanas. Temos 560 lojas, e 12 foram impactadas, pouco diante do que poderia ter sido. Na região mais atingida, são 25, e em 10 entrou água. Em Roca Sales, invadida pela água em setembro e novembro, reconstruímos as duas vezes e depois e decidimos trocar de lugar. Tivemos sorte porque nosso CD continuou com acesso e atendendo 150 lojas. A prioridade sempre é a família, pessoas que trabalham na empresa e o que a gente pode fazer para ajudar. Teve gente que achava que era dever da Cruz Vermelha fazer algo, mas não dava tempo de esperar a ajuda chegar. Foi uma experiência bacana, de um lado, com muitos dispostos a ajudar – inclusive carregando gente nas costas – e de outro, com quem poderia ajudar, porém sem disposição.
Levamos água de helicóptero para uma dessas cidades. A palavra dominante era aflição ao ver os moradores tentando sobreviver. Vi uma coragem muito grande mais das pessoas do que das empresas. Valentia e disposição de pessoas que não tinham que estar lá, mas estavam. A Quero-Quero saiu mais forte das comunidades. É o caso de Canoas, porque, em geral, somos mais conhecidos no Interior. Embora não fosse o propósito, acabamos vendendo cinco, seis vezes mais do que antes, porque as pessoas viram o nosso comprometimento.
Aqui mesmo, tem pessoas que servem de exemplo para mim. Na CDL POA, teve quem entrou na água para salvar. E o pessoal da Quero-Quero também quis ser exemplo. Foi uma cadeia.
IRIO PIVA – Primeiro, um agradecimento à presença dos representantes das entidades, de associados e amigos. O líder sempre tem uma responsabilidade em um momento de crise, com a família, a empresa e a comunidade. E o Peter mostrou que todas essas etapas foram cumpridas.
Queria voltar ao tempo da pandemia. Vejo muitas empresas, em momento de crise, com a posição de “vamos reduzir custo e dispensar”. Não penso assim. A gente tem que se agarrar nas pessoas, contar com o time. Na pandemia, pedimos empréstimo para garantir os salários. Depois, o mercado reagiu, e quem demitiu se deu mal, pois houve bastante crescimento. Então, já tínhamos este aprendizado: é tudo com o nosso time.
Agora, na enchente, nossas lojas receberam donativos e tivemos um caso curioso. Em Garopaba, a unidade ficou 10 ou 12 dias fechada e não teve problema com a chuva. Os espaços ficaram completamente ocupados com doações. Nem sei quantos caminhões trouxeram os donativos. Foi tanto que quase a metade do que foi arrecado veio de Garopaba porque a Elevato foi identificada como uma empresa gaúcha. Em situações como essa, não se pode perder a fé, é necessário se manter motivado e se abraçar às pessoas. Juntos, tudo fica mais fácil para ser vencido.
QUAL O MOMENTO MAIS DESAFIADOR NA TRAJETÓRIA COMO LÍDERES?
IRIO PIVA – Ficaria uma tarde inteira, até porque de fracasso entendo muito. A gente começou em 1988, atuava muito para na área de engenharia, para construtores. Só que, em 1994, teve uma crise com a quebra de uma grande construtora. Então, nos vimos quebrados e avaliamos fechar a empresa. Mas, eu e o Arcione (o irmão) avaliamos nossas contas, o que tínhamos em estoque e decidimos começar tudo de novo, conquistar confiança e credibilidade. Conversamos com os fornecedores, e todos nos deram prazo. Não tivemos um título protestado. O fundamental foi jogar limpo, saber o que era importante para nós e cumprir o que nos comprometemos. É preciso aprender com os erros, e aprendemos a nunca mais concentrar os negócios em um só cliente que pudesse comprometer a saúde financeira. Deve-se pulverizar, vender para muitos, assim há menor vulnerabilidade diante de uma mudança.
PETER FURUKAWA – Quando vou entrevistar uma pessoa, pergunto quais são as suas grandes cicatrizes. Quando você é líder, significa que tem liderados. Eles têm que querer te seguir, e não é porque você pode mandá-los embora. Eles olham o seu caráter. Tive dois momentos bem difíceis na minha carreira.
O primeiro foi na startup Submarino, o primeiro e-commerce Brasil. No início, teve muita repercussão. Estavam vendendo livros que não tinha (no mercado) há mais 20 anos. Precisei trabalhar sete dias durante 24 horas até descobrir todos os problemas. Para poder entregar, buscamos livrarias que tinham livros antigos, e houve mãe que brigava comigo porque não encontrava livro dos filhos.
Nunca confie nos fornecedores de sistema, porque o comercial tem que vender, e não entregar. Quem deveria entregar dizia: “a gente não faz isso”. Foi estressante, mas também muito bacana. Fui para o hospital duas vezes, travou minhas costas.
Mais tarde, na Quero-Quero, tive uma lição de humildade. Quando em chamaram, estava em outra empresa, em negócio mais simples e trabalhava a cinco quadras da minha casa. A empresa, com mais de 40 anos, estava com EBITDA negativo (sigla significa Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization significa Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização). Havia muitas pessoas que haviam dado a vida pela empresa, tinha gerente com lágrimas nos olhos.
Pensei que, em seis meses, colocaria tudo de volta no lugar. Como os sistemas não funcionavam, somente depois de um ano e meio, foi a primeira vez que vi os números reais, o que tinha estoque, o que tinha para entregar. Aquele período foi bastante difícil. Conseguimos sair porque você precisa de boas pessoas. Li um artigo, no qual se você está cercado por pessoas boas e competentes, você melhora seu desempenho em 15%. Tenho pessoas fantásticas que ajudaram a passar por aquilo.
EM QUE MOMENTO PERCEBERAM QUE O NEGÓCIO DE VOCÊS TINHA DADO CERTO?
PETER FURUKAWA – Quando vi as aquelas pessoas chorando, percebi o nível de comprometimento, o quanto queriam ver o negócio virar. Com aquela configuração de pessoas, a gente iria sair daquele buraco. Então, iria dar certo. Talvez se eu estivesse em São Paulo, não teria ficado porque não vi este nível de comprometimento.
IRIO PIVA – Não tenho certeza até hoje se deu certo… Nosso negócio está indo bem. É quase que um recomeçar todos os dias, pois tudo muda de uma forma rápida. Se deu errado, tem que fazer diferente porque o concorrente faz e te deixa para trás.
Vou contar duas histórias de empresas que admiro, uma experiência positiva e outra negativa. Logo depois da enchente, fui a Gramado ver como estava a situação. Eu e minha mulher saímos para jantar e, onde havíamos ido, não tinha sagu com creme como ela queria. Levando a garrafa com a sobra do vinho, fomos, então, ao Di Paolo, onde expliquei que só queríamos a sobremesa. Ao pedir a conta, o gerente disse que era cortesia. Depois, liguei para o Paulo Geremia (proprietário e presidente do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de Porto Alegre e Região/Sindha) liguei para contar e agradecer.
Há poucos dias, fui a Criciúma dirigindo e parei em um restaurante bem conhecido na beira da rodovia, uma marca que admiro bastante. Saí cedo de casa e queria tomar café. Veio muito leite e pedi para colocar um pouco mais de café, pois estava fraco. O funcionário disse que dava, sim, mas iria cobrar o valor de um cafezinho.
Quando a gente conquista credibilidade, não pode descuidar, precisa continuar treinando as pessoas de forma adequada. Daqui a pouco, o negócio não dá certo por uma questão de detalhe. Assim, ainda estou tentando fazer o nosso negócio dar certo.
O QUE CONTINUA MOTIVANDO E INSPIRANDO VOCÊS DIARIAMENTE?
IRIO PIVA – Gerar oportunidades dentro do negócio e ver o varejo sempre crescendo. Não é para o dono ganhar dinheiro, é para ver as pessoas melhorando de vida. Nossa empresa vai fazer 36 anos daqui a alguns dias, e nosso primeiro funcionário ainda está conosco e acho que vai se aposentar na Elevato. Temos vários com 25, 27, 28 anos de empresa e que terão um só emprego. Isso me motiva. Quero ser exemplo de conduta em casa, na empresa, na comunidade e na CDL POA. Meu filho diz: “O pai é igual em qualquer lugar.”
PETER FURUKAWA – Não vou trabalhar para fazer alguém rico, é para me tornar melhor. Costumo dizer às pessoas que, enquanto a Quero-Quero for boa para você, tem que ficar. Afinal, a empresa tem que servir para melhorar a vida da sua família, saúde, educação. Ser melhor para você. A gente tem isso bem forte, pois recruta ainda na faculdade, dá oportunidade e responsabilidade para crescer.
Gostaria de fazer com que este segundo ciclo de colaboradores colhesse o que tem plantado com tanto sacrifício nos últimos anos. o Papel da Quero-Quero é levar Wall Street para as cidades pequenas, com emprego registrado, pagando todos os encargos, plano de saúde, possibilitando sair de lá um dia, mesmo tendo começado como estoquista, passando por vendedor e chegando a gerente de loja. Esse é o maior patamar, porque é o que você será em qualquer outro lugar. Por isso, eu gostoso trabalhar na Quero-Quero, falar da Quero-Quero e estar aqui com vocês.
COMO EQUILIBRAR A VIDA PESSOA E A PROFISSIONAL?
PETER FURUKAWA – Não há nada mais importante do que as minhas filhas, e elas sabem disso em cada célula do corpo delas. Paro tudo que estou fazendo e vou lá. Venho de uma família bem humilde. Minha mãe me deu segurança. Ela iria me salvar primeiro e depois iria me bater. Tem que estar presente na família.
IRIO PIVA – Há 25 anos, um amigo consultor desenvolveu uma teoria para explicar o porquê de algumas empresas quebrarem na segunda geração. Ele explicou que o fundador, para fazer crescer, dedicava muito tempo e esquecia a família. Aí, o cônjuge – antigamente era mulher (mas hoje não é mais, porque as mulheres são a maioria no empreendedorismo) que dizia “teu pai só quer saber da empresa”. Então, os filhos cresciam odiando. O quer fazer? Matar a empresa inconscientemente. Para mim, esse raciocínio tem grande profundidade, regeu a minha vida. Não se pode descuidar da família, é necessário equilíbrio, tanto que as pessoas me chamam de conciliador. Tenho certeza de que o meu filho cresceu amando profundamente a empresa.
QUE CONSELHO PODEM DAR A QUEM ESTÁ DESESTIMULADO, PENSANDO EM ATÉ DEIXAR O BRASIL?
IRIO PIVA – O Brasil, para nós, que somos empreendedores, é um lugar de oportunidade. É uma terra muito fértil. É verdade que estamos vivendo uma época de baixíssimo compromisso e comprometimento. Tanto que, quando a gente busca pessoal, tem dificuldade para completar nossas equipes. Ainda assim, tenho convicção de que não precisa se mudar para outro lugar, aqui tem muitas oportunidades.
PETER FURUKAWA – Vale a pena ter uma experiência internacional para aprender por um período, abrir a cabeça, mas não para fugir. Eu fui para os EUA e o Japão, mas quero estar no meu país. No Japão, a sociedade era mais importante do que o indivíduo. Já nos EUA, só o indivíduo interessa. Aqui, tem o balanço, o calor humano. Eu amo o Brasil, tem problema, tem. Seja nos EUA ou na Europa, sempre há algum problema. Todos os dias, temos 350 vagas abertas na Quero-Quero. E já teve quem perguntasse se tinha que trabalhar em pé na loja. Pessoas boas custam caro. Mantenha a pessoa, não importa o negócio, importa a performance. Agora, se tiver que sair, lembre-se de que diferentes sementes podem florescer em diferentes solos. A pessoa pode ser feliz em outros lugares.
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