A cotação do dólar no Brasil fechou 2021 em alta pelo quinto ano seguido. A valorização anual foi de 7,47%, tendo reflexos em diversos setores que são influenciados direta ou indiretamente pelo desempenho da moeda estrangeira. Os impactos vão da alimentação à moradia.
A taxa de câmbio depende de uma série de razões, como desdobramentos da economia doméstica e internacional, questão política e também de movimentos especulativos, por exemplo. Em 2022, especialistas pontuam que os efeitos da cotação seguirão nas contas do dia a dia.
Entre fatores que colaboraram para a oscilação no ano passado, o economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank, cita a piora do quadro da pandemia no primeiro trimestre, que levou a uma desvalorização significativa da moeda brasileira por causa da incerteza em relação a possíveis novos fechamentos das atividades econômicas. Foi quando o dólar chegou a bater R$ 5,7919, a maior cotação no ano.
Depois, o avanço da vacinação levou a uma melhora na situação, permitindo a retomada de setores. Com a divulgação de indicadores ainda referentes ao primeiro trimestre do ano, apontando desempenho positivo da economia, o cenário embalou melhora. O dólar interrompeu a sequência de alta e atingiu, em junho, a menor cotação do ano, de R$ 4,9034.
O ciclo de queda não se manteve e, no segundo semestre, voltou a ser afetado por turbulências internas e externas. Na avaliação de Frank, houve degradação abrangente do cenário econômico nacional, com turbulência política e furo do teto de gastos por parte do governo Jair Bolsonaro, além de piora do cenário internacional, com China no radar e perspectivas de aceleração de preços e de aumento de juros nos Estados Unidos.
Professor de Economia da UFRGS, Maurício Weiss pontua outros fatores. Apesar da melhora dos preços das commodities e dos ajustes na taxa de juros, investidores internacionais seguiram pessimistas em relação à dinâmica futura da moeda nacional e do país:
– Em termos de bolsa de valores, tivemos ainda mais capital saindo do país, em parte por questões políticas de instabilidade, como a questão ambiental, que faz o governo brasileiro ser malvisto por diversos fundos de investimentos. Teve ainda o caso da Evergrande, na China, gerando instabilidade e queda em commodities ligadas a ferro, e isso afetou o real.
Eleição
O dólar abriu 2022 em baixa, fechando janeiro com queda de quase 5%. Os ajustes na taxa básica de juros pelo Banco Central, a Selic, estão entre os fatores que permitiram a elevação de investimento estrangeiro no país no primeiro mês do ano. A taxa voltou aos dois dígitos na semana passada, após quatro anos, e está em 10,75%. Em linhas gerais, a entrada de dólar no Brasil ajuda a valorizar o real. Não é possível dizer, porém, se o movimento se manterá.
– É um caldeirão de fatores que atuam em conjunto. O que vai ajudar a evitar que tenhamos alta mais significativa, ou seja, que o dólar fique mais forte e o real fique mais fraco, é esse ciclo de aumento da taxa Selic. Isso ajuda a atrair capitais estrangeiros e acaba por evitar desvalorização maior da nossa moeda – explica Frank.
Para Weiss, há outro fator a ser considerado nessa volta dos investidores: as sinalizações eleitorais de “aproximação ao centro”:
– A gente tem um contexto agora muito inseguro de política, de ameaça, de golpe, isso deixa o investidor internacional avesso ao risco. E o ex-presidente Lula (líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência), alguns no mercado financeiro não gostam, mas tem experiência de estabilidade política que acaba atraindo investidor a voltar para a bolsa. Não o investidor interno, mas o externo, que tem menor aversão a Lula. Isso também é um cenário mais otimista para a questão do real.
Na avaliação do sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, Valter Bianchi Filho, o comportamento do câmbio vai depender do tom do debate eleitoral:
– Se tivermos campanha focada nos problemas do Brasil, com responsabilidade fiscal, tem tendência de o câmbio baixar. Se o debate for pobre, baseado em populismo, vai manter a moeda pressionada.
Reflexos no dia a dia
A influência da alta do dólar impacta desde a alimentação até a moradia dos brasileiros. Vários produtos fabricados aqui dependem da cotação do dólar por utilizarem insumos ou implementos importados. Na ponta final, parte importante do preço dos produtos tem relação com o câmbio
Combustíveis
Um dos exemplos mais sensíveis a essa variação é o preço dos combustíveis. O valor do barril do petróleo, fundamental para a fabricação da gasolina e do diesel, é cotado em dólar no mercado internacional. É o que influencia a política de preços adotada pela Petrobras para balizar o preço dos combustíveis no mercado interno, já que o petróleo usado nas refinarias vem de fora.
– À medida que temos petróleo mais caro, naturalmente temos combustível mais caro. E o efeito não é só no combustível que fica na bomba, porque reverbera em toda a economia por conta dos transportes e dos fretes. É o que chamamos de efeito secundário. A tendência é de que diversos outros produtos encareçam por conta disso – observa o economista-chefe da CDL de Porto Alegre, Oscar Frank.
Alimentação
Outro impacto é nos alimentos que utilizam matérias-primas, produtos químicos ou até maquinários importados. No pão, por exemplo, o preço final é fortemente afetado pela cotação do trigo, já que a maior parte do cereal utilizado no Brasil é importada de outros países.
Aluguel
Com ainda mais peso no orçamento das famílias, o valor do aluguel também não escapa da variação do dólar. Isso porque o principal índice utilizado nos contratos de moradia é o IGP-M, cuja composição inclui indicador que captura preços no atacado, onde há influência do câmbio.
– No IGP-M, 60% do indicador diz respeito ao atacado, ou seja, ao início da cadeia, ao produtor, e essa inflação é muito mais sensível à taxa de câmbio, às variações de preços de commodities, que, convertidas para o real, têm essa interferência – diz Frank.
É por isso que se observou altas expressivas em 2020 e 2021, quando o IGP-M variou entre 23%e17%, respectivamente, aumentando expressivamente o valor dos aluguéis.
Outros
Há, ainda, reflexos nos investimentos, que deixam de se tomar atrativos, nos eletrônicos e até no material escolar.
– O impacto na vida das pessoas é brutal. A roupa que a gente usa é feita ou de algodão ou de fibra sintética, que é um produto derivado do petróleo. Tanto petróleo quanto algodão são commodities dolarizadas. O câmbio subindo faz com o que custo dessas coisas fique mais caro. E isso vale para inúmeros produtos. Sempre que a nossa moeda deprecia, o acesso a essas mercadorias fica mais caro – acrescenta o sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, Valter Bianchi Filho.
Fonte: Jornal Zero Hora – Edição impressa em 8 de fevereiro de 2022.