As águas que inundaram em maio Porto Alegre e boa parte do Rio Grande do Sul não fizeram nenhuma distinção socioeconômica. Chegaram em bairros de todas as classes sociais, cobrindo 30% do território da Capital e atingindo 160 mil pessoas. Nesse mesmo mês, de acordo com Rodrigo de Assis, coordenador do eixo de Economia e Finanças do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática da prefeitura de Porto Alegre, foram perdidos 2.500 empregos formais na cidade. E esse número cresce quando se acrescenta os 40% de vagas informais.
A Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) estima uma perda de ativos das empresas, de todos os portes, da ordem de R$ 20 bilhões em todo o Estado.
O comprometimento da estrutura produtiva e da capacidade de se reerguer das empresas afetadas direta e indiretamente torna difícil elencar os principais desafios que esses empreendedores terão pela frente. Conforme o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, são muitos e ainda urgentes. “Os efeitos sistêmicos ultrapassam o efeito da mancha de inundação e têm proporções maiores em relação ao dimensionamento que parece ter sido feito pelas políticas até então implementadas”, sinaliza o dirigente.
O economista da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) Oscar Frank explica que no pior momento da crise as vendas nominais do comércio chegaram a cair 16,7% – queda disseminada que atingiu todo o comércio varejista, exceto os supermercados. Os números analisados pelo economista vêm do levantamento feito pelo Itaú, com base nos dados de cartão de crédito e de Pix realizados no período.
De 29 de junho a 5 de julho, em comparação com o período equivalente de 2023, já se esboça uma retomada de 13,2%, com boa parte dos setores mostrando recuperação. Frank atribui esse desempenho à antecipação de benefícios e outros recursos novos que vêm movimentando a economia.
A dúvida é a sustentabilidade desse movimento de alta, conforme Frank. “Em muitos casos estamos antecipando consumo. Benefícios que seriam pagos no futuro foram antecipados. Recompor patrimônio, como material de obras ou eletrodomésticos, não acontece com grande recorrência. Portanto, esse impacto concentrado no curto prazo não tende a se repetir”, alerta.
O setor de serviços, que tem grande peso na economia gaúcha, foi um dos segmentos que mais sentiu crise com a enchente. Setores ligados ao turismo tiveram uma queda de arrecadação muito grande, principalmente por conta de alimentação e hotéis, duas áreas que ainda seguem com taxas negativas de crescimento. Na semana de 14 de maio, o setor terciário decaiu 27,8%, enquanto que, na semana de 5 de julho, foram – 3,1%. “O consumidor sempre vai priorizar o que é essencial. Além das restrições logísticas, por conta do fechamento do aeroporto Salgado Filho, as famílias cortam viagens e saídas para restaurantes para focar no que consideram essencial”, explica Frank.
O presidente da Fecomércio-RS observa que, na cadeia do setor turístico, grande parte das empresas impactadas está fora da mancha de inundação. Portanto, não se qualificam para fazer parte das políticas de auxílio a Pessoas Jurídicas anunciadas. Bohn ressalta que essa é uma das dificuldades impostas pelos desenhos das políticas implementadas. “Seja na frente do amparo à manutenção do emprego – com ajuda tardia, insuficiente e critérios que dificultavam muito a qualificação das empresas para o programa – seja nas dificuldades relacionadas ao crédito ou a expiração das prorrogações dos recolhimentos tributários e trabalhistas”, critica.
Em relação ao crédito, o dirigente acredita que, apesar das linhas com boas condições de juro e prazo, há muitos entraves que limitam o alcance das medidas anunciadas, como as restrições à área de inundação, insuficiência de recursos disponibilizados e falta de regulamentação para liberação de novas contratações. “Por exemplo, na segunda rodada esperada do Pronampe, exigências de garantias e certidões negativas que restringem a possibilidade de acesso para empresas muito afetadas, exigências de manutenção do quantitativo de empregados e demora na liberação após as contratações”, avalia Bohn.
O caminho ainda parece ser longo para a total retomada do comércio de Porto Alegre. Um levantamento realizado pela Cielo mostra que a Capital, em comparação com a média do comércio do Estado, teve quedas mais acentuadas de vendas nominais do comércio varejista (veja o gráfico). Os últimos números divulgados pelo estudo, de 20 a 26 de maio, indicam que as vendas nominais do comércio do Estado subiram 6%, enquanto em Porto Alegre ainda estavam 9,7% negativas, em relação ao mesmo período do ano passado.
Um estudo da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA) avalia que, entre maio e junho, houve uma perda do PIB de R$ 11,3 bilhões no Estado, em comparação ao mesmo período de 2023. Esse número não contabiliza a perda de patrimônio e de estoque das empresas. A dúvida que permanece, conforme Frank, é o tempo que a economia gaúcha vai levar para se recuperar. Ele lembra que o Estado já vem de um histórico de outras intempéries climáticas. Em quatro anos, foram três estiagens que prejudicaram a safra e mais a pandemia. “Tudo vai depender do tipo de apoio que o Estado irá receber, pois vamos precisar de projetos, de uma busca ativa de fundos disponíveis. Se fizermos as coisas certas, boas obras de prevenção, a retomada pode ser mais rápida”. acredita.
Números da enchente em Porto Alegre
30% do município foi atingido
160.210 mil pessoas afetadas diretamente
480 hectares de área afetada
417 equipamentos públicos destruídos parcial ou totalmente
1.081 quilômetros de vias públicas afetadas
Vendas nominais do comércio – RS X POA
De 29/04 a 5/05
RS: -15,7%
POA: – 17,4%
De 6 a 12/05
RS: + 2%
POA: – 31,1%
De 13 a 19/05
RS: +10,5%
POA: – 21,5%
De 20 a 26/05
RS: + 6%
POA: – 9,7%
Fonte: Cielo
Prefeitura enfrenta o desafio de reconstruir
Para que a vida e o comércio em Porto Alegre voltem ao normal, é preciso planejar e realizar obras de prevenção de cheias e de reconstrução da cidade. A prefeitura estima que o impacto econômico no setor privado atingiu quase 46 mil empresas, somando 20% dos CNPJs de Porto Alegre, causando danos de R$ 3,2 bilhões ao mês para a cidade. No âmbito do setor público municipal, as perdas e custos de recuperação superam R$ 12,3 bilhões.
Para iniciar o trabalho de reconstrução da Capital, a prefeitura criou o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre, que vai buscar recursos de diferentes fontes, além do fundo municipal, viabilizar e fazer a gestão das obras que a cidade precisa nesse momento. “São valores muito significativos de prejuízos, tanto público como privado, faz com que a gente repense as nossas estratégias e as nossas prioridades de cidade e foque no esforço para devolver a normalidade da operação da cidade”, explica Germano Bremm, coordenador do Escritório de Reconstrução e Secretário Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade.
As metas de continuar retendo e atraindo talentos, gerar riquezas e oportunidades dependem agora de reconstruir a infraestrutura básica perdida para a cidade voltar a operar de forma mais eficiente. Com base nesse foco inicial foram estruturados seis eixos estratégicos: recuperação da infraestrutura e equipamentos públicos, habitação de interesse social, projetos urbanos resilientes, recuperação de atividades empresariais e financeiras, adaptação climática e monitoramento e transparência. “Queremos trazer essas estratégias para o mundo real no menor tempo possível para criar a condição do mercado se desenvolver. As empresas precisam de um território seguro para captar recursos, para reinvestir e para colocar a economia para girar”, diz o secretário.
Atualmente, conforme Bremm, mais de 333 equipamentos que foram afetados estão em processo de reconstrução em diversas etapas diferentes. Nessa parte de infraestrutura serão investidos mais de R$ 800 milhões. No sistema de proteção, especialmente nos bairros mais afetados, será preciso fazer uma atualização. Nesta parte mais de cinco milhões já estão contratados entre laudos, anteprojetos, projetos básicos. A previsão é de um investimento total em torno de R$ 510 milhões. Ao todo, conforme o secretário, mais de 300 obras terão que ser realizadas para recuperar a cidade e, consequentemente, a sua economia.
Fonte: Jornal do Comércio